Cláudia e André, primeiras vítimas do coronavírus no DF, relatam como enfrentaram a doença durante 105 dias
Os sintomas poderiam facilmente ser causados pela chegada recente de uma viagem a trabalho na Europa, feita entre 22 de fevereiro e 2 de março. Poderiam, não fosse uma pandemia provocada por um vírus desconhecido, que hoje faz parte da história do mundo inteiro.
Naturalizada com o mundo jurídico de embates e decisões, a advogada nunca imaginou que teria que enfrentar um ser invisível e lutar pela sua vida. O caminho foi longo e árduo. Foram 105 dias de confronto até Cláudia conseguir voltar para casa e encontrar a razão de toda a batalha: sua família.
Hoje, quem entra no lar dela e a encontra, vê uma mulher cheia de força e esperança. As flores de diferentes tons em cada canto da sala passam a mensagem de gratidão pela vida. Cláudia faz questão de dar cor ao cômodo que durante meses ficou vazio e sem alegria.
A luta
A história de luta da primeira paciente com covid-19 no DF começou em 5 de março, quando ela recebeu o diagnóstico positivo para a doença. O estado de Cláudia já estava grave, e ela precisou ser internada, às pressas, no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), referência no tratamento para a doença na capital do País. André também testou positivo e teve que fazer o isolamento sozinho em casa, sem poder ver a esposa.
No Hran, Cláudia foi sedada e intubada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). “Minha última lembrança foi perguntar para um dos profissionais de saúde se eu ia viver e ele afirmar com firmeza que sim. Eu realmente não tive dúvidas, porque o jeito que eu fui acolhida por todos os profissionais de saúde, extremamente capacitados em todos os níveis e setores, fez toda a diferença na minha vida”, declara, agradecida.
Nos 46 dias que permaneceu no hospital público, a paciente ficou em coma induzido. Com comorbidades — outras doenças que agravam o quadro clínico —, ela apresentava constantes oscilações no estado de saúde.
“Os dias se passavam, e as notícias se agravavam. Aquelas informações diárias, de altos e baixos, deixavam a família em um estado de preocupação intenso”, relembra o marido. Em meados de março, com sucessivos quadros de febre, a mulher atravessou seu período mais crítico, com uma síndrome aguda respiratória severa.
A situação chegou a se estabilizar até o fim do mês, mas, no começo de abril, Cláudia teve uma piora na insuficiência renal. “Desde o início da internação, ela já vinha apresentando problemas renais e realizando hemodiálise, mas a situação ficou ainda mais difícil, e ela passou por uma paralisação renal”, conta André. Diante do longo período de ventilação mecânica, ela também teve que passar por traqueostomia.
No fim de abril, já curada da covid-19, Cláudia foi transferida para uma unidade particular, após decisão da família em concordância com a equipe médica do Hran. No hospital privado, passou a dar continuidade à reabilitação.
A recuperação
Ainda sedada e em estado grave, Cláudia chegou à UTI não covid, onde a sedação foi reduzida para a retomada gradual da consciência. Apesar da demora, a fé e a esperança do marido aumentavam cada dia mais. “Sempre tive certeza que ela se recuperaria da doença, e alguma coisa me dizia que estava muito perto de isso acontecer.” A intuição de André estava certa. Depois de 15 dias internada no hospital particular, o milagre aconteceu.
Em uma tarde, Cláudia acordou e imediatamente procurou pelo marido. “Ali começou a nova trajetória. Quando ela retomou a consciência, foi encantador. A emoção do reencontro foi muito forte”, relembra André, emocionado. Cláudia completa: “Ele tinha dormido na cadeira e estava longe. Eu não tinha muita voz, mas consegui ter força para falar as primeiras palavras: ‘Amor, vem aqui. Eu estou viva’”.
A volta para casa
Depois de mais de 70 dias no hospital, a notícia de que Cláudia estava totalmente curada finalmente chegou, em 16 de junho. A despedida foi comemorada pelos profissionais de saúde com palmas e balões coloridos. “Foi muito emocionante receber essa homenagem. Marcou um recomeço na minha vida”, declara a guerreira.
Os dois puderam comemorar 28 anos de matrimônio juntos em casa, em agosto, com laços ainda mais fortes. “A gente passa a ver tudo de forma diferente e a valorizar os pequenos momentos, como tomar um simples café juntos. Somos eternamente gratos a Deus por esse milagre e essa nova chance”, diz a advogada.
Rodeado de amor, o lar se tornou a fortaleza de Cláudia na readaptação da nova rotina e no reaprendizado de atos cotidianos, como andar, falar e mexer as mãos. “Depois de seis meses que saí do hospital, ainda me recupero das sequelas da covid-19. Faço fisioterapia todos os dias para melhorar os movimentos e minha respiração. Mesmo assim, me sinto perfeita e completa. Hoje vejo a vida com mais amor e gratidão.”
A troca de olhares e as mãos entrelaçadas revelam a cumplicidade do casal em planos para o novo ano. “Queremos dividir tudo o que aprendemos nas adversidades e, de uma forma construtiva, ajudar as pessoas e conscientizá-las sobre as consequências da covid-19”, conta André. Para isso, ele e Cláudia escrevem um livro com toda a história de superação. A previsão é que a obra seja lançada até março de 2021.“Tenho a responsabilidade de contar sobre meu novo recomeço para as pessoas”, diz Cláudia.
A luta do casal virou uma campanha publicitária do Governo do Distrito Federal para alertar a população sobre a segunda onda da covid-19 e estimular a adoção de medidas preventivas, como usar máscara, álcool gel e evitar aglomeração. A campanha começou a ser veiculada na terça-feira (22). O casal não cobrou cachê. Fonte: Thais Umbelino Fotos: Breno Esaki/Agência Saúde DF