O debate contou com a presença de distritais e de representantes de estudantes e professores. A secretaria de Educação não compareceu.
Salas de aula sem ventilação e sem capacidade de garantir o distanciamento entre os estudantes; falta de porteiros para monitorar a entrada na escola; lavatórios insuficientes, e incertezas na garantia de EPIs e álcool em gel. Esses foram alguns dos desafios apresentados em audiência pública, na noite de quinta-feira (25), quando se discutiu o retorno das aulas presenciais na rede pública de ensino do Distrito Federal. O debate foi realizado pela Comissão de Educação, Saúde e Cultura (CESC) da Câmara Legislativa e contou com a presença de distritais e de representantes de estudantes e professores. A secretaria de Educação, apesar de convidada, não compareceu.
O ano letivo da rede pública começa no próximo dia 8. Ontem de manhã, o governador reafirmou que as aulas seriam retomadas de forma presencial, mas acabou recuando e, ao final do dia, o secretário de Educação do DF, Leandro Cruz, informou que as aulas serão, inicialmente, online e que deverão voltar presencialmente em 23 de março.
A presidente da CESC, deputada Arlete Sampaio (PT), lamentou o anúncio “intempestivo” do governador com relação ao início das aulas presenciais em março. “Há condições para isso? Enfrentamos uma nova onda duríssima da pandemia. Em Brasília, temos 292,7 mil casos confirmados, e 4,7 mil mortes, das quais 4,3 mil eram de pessoas que residiam no DF. Nas duas últimas semanas, vimos o crescimento dos números confirmados”, alertou. A deputada apontou, ainda, os índices de ocupação de UTIs no DF e lembrou que “as vacinas estão vindo a conta-gotas”.
“É inegável que tivemos um ano letivo, em 2020, com muitas perdas pedagógicas. Mas é preciso pensar e repensar o retorno presencial, pois a questão é perder vidas”, avaliou o professor Macário dos Santos, diretor do Centro de Ensino Médio 01 do Gama. “Nossa escola data de 1972, e as salas de aula não tem ventilação adequada. A Vigilância Sanitária entregou um relatório com providências: uma delas é o distanciamento de 1,5 metro entre o alunos. Temos cerca de 42 por sala, então só poderíamos atender 15. E os outros?”, questionou.
O professor destacou, também, as providências a serem tomadas considerando os trabalhadores com comorbidades, que não poderiam retornar presencialmente sem a vacina. E acrescentou a situação dos estudantes que moram nas cidades do Entorno do DF: “No Gama, atendemos muitos do Entorno, que passa por uma situação de calamidade. Os meninos vão transitar pelo Entorno e DF, e a proliferação tende a aumentar, inclusive com novas cepas”.
As escolas não estão preparadas
Para a diretora do Sindicato dos Professores do DF (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa, o relato do diretor Macário dos Santos reproduz a situação de diversas escolas do DF. “Retornar presencialmente agora é abrir a porteira para o vírus. Não temos nenhum planejamento para o retorno, nada foi anunciado. O dia letivo começa em 8 de março, é fato, mas como vamos retornar não foi anunciado. As escolas não estão preparadas”, destacou.
Segundo a sindicalista, em recente reunião com gestores escolares, eles foram unânimes em relação às dificuldades. “Não dá para comparar as escolas particulares com as públicas. É comparar o incomparável. O governo deveria oferecer as mesma condições e estruturas”, disse. Ainda de acordo com Rosilene, “retornar agora, com meio milhão de pessoas, vai potencializar a capacidade de contaminação”.
A diretora do Sinpro criticou, também, a tentativa de convencer a população de que os professores não querem retornar: “Primeiro, nunca paramos. Logo no início da pandemia, assim que governo se organizou, nós fomos para a sala de aula virtual. Houve esforço para que os estudantes não ficassem num prejuízo maior”.
O presidente da União dos Estudantes Secundaristas do DF (UES/DF), Daniel Fernandes, concordou ter havido prejuízos no período, mas também disse ser contrário à volta presencial, considerando o cenário atual e a falta de vacinação. Ele criticou a “inaptidão técnica e política do governo, que excluiu os estudantes da discussão”. E completou: “O padrão abissal de desigualdades econômicas, raciais e de gênero foi alargado e aprofundado com a pandemia”.
O vice-presidente da CESC, deputado Leandro Grass (Rede), ressaltou ser preciso “serenidade e racionalidade” para tratar de uma situação tão complexa e lamentou que o governo não tenha estabelecido, desde o começo da pandemia, uma “conexão profunda com a base educacional”, envolvendo trabalhadores da educação, famílias e estudantes.
“A realidade das escolas é diversa: tem escola que a janela é uma fresta; tem escola que instalou pia, mas vai gerar aglomeração, e como vai ser a higienização das estruturas e da merenda? Não existe um plano. O governador disse que vacinaria os professores ate 8 de março. Mentiu”, reclamou Grass.
O deputado Fábio Felix (Psol) também dirigiu críticas à forma como o governo tem lidado com a questão. Em sua opinião, o GDF não garantiu a estrutura adequada para o ensino à distância; não planejou nem assegurou infraestrutura segura para o retorno presencial, e não tem tido compromisso com a luta pela vacinação. “É um absurdo jogar nas costas dos professores o não retorno das aulas presenciais. Se não temos condições de voltar, os culpados são o presidente Bolsonaro e o governo Ibaneis”, considerou.
Única a defender o retorno presencial das aulas nas escolas públicas, a deputada Júlia Lucy (Novo) argumentou que, depois de tanto tempo de pandemia, as pessoas já não aguentam mais ficar em casa, seja por questões de sanidade mental seja por necessidade de trabalhar fora. “O aluno da rede pública tem o mesmo direito de estudar que o da escola privada. O povo quer as escolas abertas fisicamente, lá é onde ocorre o acolhimento dos estudantes. O prejuízo que estão tendo é irreparável, e os professores com quem tenho contato estão ávidos por retornar”, afirmou. Fonte: Denise Caputo – Núcleo de Jornalismo – CLDF