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A Força Feminina No Grafite Do DF

Política cultural do GDF incentiva a participação das mulheres em um segmento representativo da sociedade

Grafiteiras do DF: arte, cor e inspiração tomam conta dos espaços públicos | Fotos: Divulgação/Secec

No mês de março, as celebrações do Dia Internacional da Mulher (8) e do Dia Mundial do Grafite (27) convidam a uma reflexão: o que a arte urbana tem em comum com o universo feminino? Tudo. O grafite é um dos segmentos culturais que mais incrementam a participação de mulheres em suas intervenções. Provenientes da cultura hip-hop, as obras coloridas que estampam as ruas e cidades do DF, viraram um difusor de expressão cultural e social das grafiteiras.

Com cada vez mais garotas deslocando os desenhos do papel para as paredes, o grafite acentua a promoção da igualdade de gênero e reforça os sentidos de empoderamento, resistência e expansão da arte urbana. Por meio de intervenções silenciosas que transformam muros, fachadas e espaços públicos em grandes painéis de arte e contestação ao ar livre, elas cativam seu público com uma linguagem interpretativa do esperam de um mundo melhor.

Lua Nzinga:
“Não vamos desistir de nosso potencial criativo”

O aumento da ocupação feminina na arte urbana, ainda dominada pela presença masculina, também virou tema de discussão no âmbito do poder público. Com a Política de Valorização do Grafite (Decreto 23.174/2018), a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) criou um espaço democrático para defender o segmento, abordando temas sociais com lições de cidadania: o Comitê Permanente do Grafite (CPG).

O CPG é pioneiro no processo de valorização da arte urbana no Brasil. O colegiado foi criado com a missão de discutir e executar melhorias para os profissionais, aprofundar e pesquisar as vertentes da arte urbana, além de implementar a cultura do grafite no contexto social do DF. É onde o movimento feminino se destaca no aprimoramento da elaboração de políticas públicas inclusivas para as artistas mulheres dentro desse espaço democrático.

Equidade de gênero

À frente das políticas de valorização do grafite na Secec, a subsecretária de Economia Criativa, Érica Lewis, revela que um dos resultados dessa articulação é o aumento da presença feminina na realização anual do Encontro do Grafite, mecanismo que socializa, valoriza e remunera artistas, proporcionando transformação em áreas degradadas, e que tem dado cada vez mais espaço e respeito às mulheres dentro da arte urbana.

“A expectativa é que aumente o número de mulheres selecionadas nos editais voltados para a arte urbana”Érica Lewis, subsecretária de Economia Criativa

No último edital, a subsecretária destacou a existência da reserva de vagas femininas para o encontro, com o objetivo de promover a equidade de gênero no chamamento público, conforme previsto no Art. 5º do Decreto nº 38.933/2018 (Fomento à Cultura) e incentivada na Portaria nº 58, de 27 de fevereiro de 2018, que institui a Política de Equidade de Gênero na Cultura. “A expectativa é que aumente o número de mulheres selecionadas nos editais voltados para a arte urbana”, afirma Érica.

“As artistas se mostram fundamentais na quebra de paradigmas de atividades que antes eram consideradas genuinamente masculinas”, enfatiza o secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues. Ele avalia o grafite como uma grande vitrine para a expressão de sentimentos e reivindicações, totalmente convidativa e aberta, para as artistas mulheres e de todos os gêneros. O segmento também viabiliza, lembra o secretário, a oportunidade de estimular o empreendedorismo cultural e a interação das artistas de rua com os espaços públicos da cidade.

Poder transformador

Lua Nzinga, 25 anos, acumula as funções de artista, grafiteira, intérprete de libras, educomunicadora e poeta com o papel de mãe de Davi, de 3 anos. Nascida em Planaltina, ela iniciou seu trabalho na poesia em 2013, e no grafite em 2018, acreditando no poder transformador da arte. “O grafite me encanta demais”, diz. “É lindo sair nas ruas, em qualquer rua mundo afora, e poder me comunicar com as cidades, poder conhecer a sua história e a sua cultura por meio do que os muros estão falando”.

Naiana Natti: “Quando comecei, havia pouquíssimas mulheres na cena do grafite”

Lua frisa que as mulheres grafiteiras têm se unido e conquistado alguns avanços nas políticas públicas, como ações afirmativas que garantem espaço para o público feminino em editais públicos. “Temos artistas negras, indígenas, periféricas, LGBTQI+… Eu sei que nós, enquanto mulheres, passamos por muitas dificuldades. Às vezes, até andar na rua é difícil, imagine pintar. Mas não vamos desistir de nosso potencial criativo”, completa.

Primeira geração

Desde 2006, Naiana Alves, do Recanto das Emas, atua como grafiteira. A artista de 32 anos demonstra seu orgulho ao contar que pertence à primeira geração de grafiteiras do DF, quando a arte ainda era majoritariamente exercida por homens. “Quando comecei, havia pouquíssimas mulheres na cena do grafite, e hoje temos um grupo no WhatsApp com mais de 70 mulheres do DF e Entorno debatendo sobre a ampliação e a valorização da mulher neste contexto”, conta Nat, como é conhecida.

Sabrina Falcão: “Percebemos que ainda precisamos de mais espaços de contemplação e valorização
voltados para mulheres grafiteiras e periféricas.”

Resistência feminina

Há 17 anos morando no DF e com 13 anos de carreira no grafite, Sabrina Falcão, 37 anos, atribui à resistência feminina a razão de se manter na arte urbana. Nabrisa, como é chamada a também artista plástica, acredita que a crescente representatividade feminina em ambientes urbanos já é resultado da luta contínua e determinação diária – individual e coletiva – das mulheres.

Camila Siren: “Quero deixar a mensagem de que somos fortes, protagonistas e estamos aqui, apesar de tudo”

“De certa forma, ainda percebo que, mesmo com conquistas, precisamos estar o tempo todo em alerta”, pontua. “Levando em consideração essas questões, percebemos que ainda precisamos de mais espaços de contemplação e valorização voltados para mulheres grafiteiras e periféricas, principalmente as que são mães.”

Camila Siren, 23 anos e grafiteira desde os 16, afirma que pintar na rua simboliza ação política das mulheres, com o objetivo de retomar um espaço que é delas por direito. A jovem moradora do Plano Piloto comemora quando percebe a evolução profissional da mulher, a despeito de dificuldades estruturais frequentemente enfrentadas.

“Lutamos por políticas públicas que abracem as mulheres e por um mercado que valorize na prática o trabalho feminino em todas as esferas”, arremata. “Quero deixar a mensagem de que somos fortes, somos protagonistas e estamos aqui, apesar de tudo.”

*Com informações da Secec