Alunos recuperam espaços públicos do DF enquanto fazem curso profissionalizante; desde 2021, cerca de 21 mil participantes foram atendidos – e tiveram a vida mudada pelo programa
Este texto poderia começar dizendo que o RenovaDF é a maior iniciativa de capacitação profissional do Brasil, com cerca de 21 mil pessoas atendidas desde 2021. Também poderia dizer que dezenas de alunos do atual ciclo estão trabalhando na manutenção do Batalhão de Policiamento com Cães (BPCães) da Polícia Militar do Distrito Federal. Mas, o que você vai conferir a seguir é maior que tudo isso. São histórias de pessoas que estão reformando a própria vida graças ao programa.
Marcelo Machado é uma delas. A cabeça baixa, enquanto capinava um gramado, até disfarçava, mas não escondia o sorriso de canto de boca e os olhos quase lacrimejando por um bom motivo: pela primeira vez, ele sairia do trabalho e iria para a própria casa, que conseguiu alugar há apenas um dia. “Essa alegria que eu estou de ontem para hoje você não tem noção. Inexplicável.”
Não é para menos. Sete meses atrás, ele chegou do Rio de Janeiro “com uma bermuda, uma camisa e um tênis”. Atendido em um Centro Pop, recebeu ajuda para tratar um glaucoma, dar entrada no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e se inscrever no RenovaDF, que lhe garante um curso de Auxiliar de Manutenção da Construção Civil e bolsa de um salário mínimo. Com tudo isso, Marcelo se sente pronto para ir atrás do que veio buscar na capital federal: retomar o contato com a filha. “Não quis procurar antes porque eu estava em situação de vulnerabilidade. Quis me reestruturar primeiro para voltar a procurar ela.”
Conquistar uma casa para chamar de sua é também o desejo de Bruno Almeida. “A minha vida estava difícil, até hoje ainda estou nas ruas. Mas, agora que conheci o Renova, está melhor ainda para mim, graças a Deus. Estou com as oportunidades e estou abraçando elas. Quero sair das ruas”, afirma. Desde os 11 anos, Bruno vive em situação de vulnerabilidade. Hoje, aos 41, além do RenovaDF, está inscrito na Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF (Codhab) e aguarda ser contemplado para ganhar um lar para morar com seu único companheiro, o cachorro Robert: “O que eu mais quero da minha vida mesmo é entrar nesse apartamento. Sossegar, ficar tranquilo, poder deitar despreocupado”.
A situação não é isolada. O atual ciclo do RenovaDF, iniciado em junho, conta com 1,5 mil alunos. Desses, 304 estão em situação de rua — o maior número da história do programa. É o caso também de Bruno Silva. Ele não esconde o passado: foi parar na rua por problemas com drogas. Mas projeta um futuro melhor. “Estou em uma casa de acolhimento, mas isso é só um período, porque eu já estou me estabilizando para caçar um rumo, alugar uma casa, viver minha vida em paz.” E, quem sabe, realizar o sonho de virar promotor de Justiça. “O Renova é um primeiro passo”, diz, entusiasmado.
Oportunidade
Por falar em sonho, o de Hellen Gabrielle é cursar Arquitetura na Universidade de Brasília (UnB). Algo que poderia até ser simples. Não fossem as barreiras sociais impostas a uma mulher trans. “O mercado de trabalho oferece várias oportunidades. Porém, nós, mulheres trans, hoje em dia, estamos tentando nos posicionar, ocupar os espaços, mas ainda é muito difícil”, aponta.
Com a capacitação oferecida pelo RenovaDF, ela avalia, “tudo se torna mais fácil”. “O Renova tem um projeto de inclusão social, porque tira as pessoas da rua, pessoas que não têm oportunidade, mães que estão em casa e, às vezes, não têm dinheiro para comprar comida para os filhos”, cita a jovem, que caminha para concluir o ensino médio na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Uma dessas mães a receber uma oportunidade no programa é Suerlane Miquele. “Tenho três filhos pequenos que dependem de mim. Sou mãe solo e o meu intuito de estar aqui hoje é lutar por eles”, conta. “Eu sempre fui uma pessoa ativa. As portas que vi abertas para mim eu entrei”, completa. Com o RenovaDF, ela espera “encontrar uma porta maior”, no próprio ramo da construção civil.
Trabalho
De fato, as portas do RenovaDF estão abertas a todos. Não há limite máximo de idade, tampouco restrição por escolaridade. O curso profissionalizante tem duração de três meses, com carga total de 240 horas, sendo quatro horas por dia. Paralelamente às aulas, os alunos aplicam os conhecimentos práticos na manutenção e reforma de equipamentos públicos do DF. Desde 2021, 2,3 mil foram recuperados.
O trabalho no BPCães deve ocupar todos os três meses da turma que lá está. Subcomandante do batalhão, o capitão Yuri Dezen exalta o apoio recebido. “O batalhão tem mais de 40 anos e as reformas, no geral, foram feitas pelos próprios policiais da unidade. Qualquer coisa que venha a dar uma reforma, ajudar a melhorar o batalhão, para a gente, é muito importante. Eles estão sendo muito bem-vindos, estão ajudando a gente, então, o que a gente puder ajudar eles também, a gente vai fazer.”
E é importante dizer que, muitas vezes, o elo com o RenovaDF não se encerra ao fim do curso. Talvez o maior exemplo disso esteja dentro da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Renda (Sedet), responsável pelo projeto. Ex-aluno do programa, Itamar Nunes hoje é técnico de Introdução ao Mercado de Trabalho da pasta. A história de sucesso, porém, começou de forma trágica. Ele lembra que veio do Amazonas com um câncer grave para, nas próprias palavras, “morrer com qualidade” na capital federal. Mas o tratamento foi bem-sucedido e sua vida mudou.
“No final do tratamento, eu estava em um albergue e eu tive a visita da secretária [de Desenvolvimento Social] que, na época, era a Mayara [Noronha Rocha], esposa do governador. E ela chegou lá e falou assim: ‘Seu Itamar, o que o senhor está precisando?’. Aí eu falei: ‘Eu estou melhorando e, quando eu melhorar, gostaria de receber um presente. Eu gostaria de trabalhar’. Logo em seguida, surgiu o Renova. Eu procurei a secretaria e falei que precisávamos pegar pessoas em situação de rua e dar oportunidade, porque muitos, como eu, precisavam de uma oportunidade. E, de lá para cá, mais de mil pessoas já foram atendidas pelo Renova e umas mudaram de vida. Eu sozinho não sou exemplo. São várias pessoas que mudaram de vida.”
Agora, no cargo que conquistou, Itamar atua como intermediador e direciona as pessoas em situação de vulnerabilidade aos programas deste Governo do Distrito Federal (GDF) voltados a cada uma delas. “Hoje, o meu trabalho é o melhor lugar do mundo para mim, porque eu conheço toda a dor deles, todo o sofrimento, e eu faço esse acompanhamento dentro da secretaria”, define. “Estou há quase três anos fazendo esse trabalho, de acompanhamento dos meus irmãos. A minha vida mudou. Eu estava na rua e hoje eu tenho até casa. Ninguém acreditava em mim, o Renova me trouxe uma oportunidade de emprego. E, com esse emprego que eu tenho, eu consigo ajudar centenas de pessoas”, conclui, orgulhoso.
Por Fernando Jordão, da Agência Brasília | Edição: Débora Cronemberger