Cidadania

Bartolomeu Rodrigues : ‘O FAC é de Toda a Cultura’

Em entrevista à Agência Brasília, o secretário de Cultura e Economia Criativa fala sobre as principais ações empreendidas em sete meses de gestão

O impacto que a pandemia tem causado na cultura local afeta artistas e a população, privada dos prazeres da diversão e do entretenimento. Mas, enquanto os bons ventos da alegria e do lazer não sopram por aqui, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) tem aproveitado o isolamento social e o vazio dos espaços culturais para, literalmente, arrumar a casa.

Do início do ano até agora, pelo menos 11 equipamentos culturais passaram por algum tipo de reforma. Após 13 anos fechado, o Museu de Arte de Brasília (MAB), prestes a ser inaugurado, se consolida como a primeira grande conquista da gestão atual do GDF no setor. O próximo passo é a restauração do Teatro Nacional.

“Durante toda a campanha, o governador Ibaneis Rocha sempre lamentou o fato de esses patrimônios importantes da cidade estarem fechados e a população, privada de acesso”, recorda o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues, o Bartô, eficiente parceiro nas implementações das políticas públicas no DF. “Esse período da pandemia não foi motivo para nós pararmos; pelo contrário.”

 E é verdade. Em pouco mais de sete meses à frente da pasta, o gestor tem se mostrado incansável perante a missão de que foi incumbido. Bem à vontade com o estilo de administração compartilhada do governo atual, o secretário vem buscando parcerias sólidas para tirar do papel projetos antigos – como as obras na Sala Martins Penna, no Teatro Nacional, que, com ajuda da Novacap, até o fim do ano devem começar.

Num bate-papo com a Agência Brasília, o regente maior da cultura no DF falou sobre os preparativos para a 53ª edição do Festival de Brasília do Cinema, os planos de revitalização da Rádio Cultura, a implementação de projetos pontuais nas regiões administrativas e, claro, em relação à maior ferramenta de incentivo às artes no DF, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC).  “O FAC tem um caráter democrático, não é uma confraria, pertence à cultura do Distrito Federal”, valoriza.

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Foto: Renato Alves/Agência Brasília

O Museu de Arte de Brasília [MAB] está prestes a ser reinaugurado. Pode-se dizer que é uma das primeiras grandes conquistas da gestão Ibaneis na área cultural?

A entrega do MAB à arte, à cultura de Brasília é uma demonstração da preocupação do governador Ibaneis com o setor. Durante toda a campanha, ele sempre lamentou o fato de esses patrimônios importantes da cidade, como o Teatro Nacional e o MAB, estarem fechados, e a população privada de ter acesso. Só que, para o MAB, nós temos um projeto mais ambicioso, porque a reinauguração do espaço vai desencadear um grande projeto de criação de um complexo cultural naquela área à beira do lago. Um complexo vai abarcar o MAB, aqueles lotes vazios que estão na frente, que serão ocupados com projetos bastante vigorosos na área de cultura, até a Concha Acústica. Vamos integrar aquilo dali a um amplo complexo cultural que vai marcar a cultura de Brasília e será um grande feito do governo Ibaneis.

“O período de pandemia nos serviu como um alerta da necessidade que o governo tem de dar uma atenção maior a esses patrimônios”

O que a Secretaria de Cultura tem feito pelos outros equipamentos culturais da cidade?

Esse período da pandemia não foi motivo para nós pararmos; pelo contrário, aproveitamos o fato de esses espaços estarem fechados e colocamos o corpo técnico da secretaria, que é bastante comprometido com o patrimônio da cidade, em ação. Aproveitamos para fazer uma reavaliação desse importante conjunto de equipamentos culturais que a cidade tem, que fazem de Brasília uma cidade diferenciada das demais capitais do país.  Uma coisa que constatamos é que todos eles estavam e estão precisando de um olhar mais atento. Na verdade, o período de pandemia nos serviu como um alerta da necessidade que o governo tem de dar uma atenção maior a esses patrimônios. Por exemplo, a Praça dos Três Poderes estava em completo estado de degradação. O próprio governador, durante uma visita ao local, ficou assustado com a situação do espaço, com todas as pedras portuguesas sujas, grama nascendo onde não era para nascer, um cenário de abandono total. De modo que estamos só começando a fazer a revitalização não apenas do Centro Cultural dos Três Poderes – que conta com uma parceria também do STF e do Gabinete de Segurança Institucional –, mas de outros equipamentos culturais da cidade. É um trabalho que vai continuar, será permanente.

Nesta semana, foi publicado no Diário Oficial do DF um convênio entre a Secec e a Novacap que vai permitir a restauração da Sala Martins Penna… Finalmente o projeto de revitalização do Teatro Nacional vai sair do papel?

Esse convênio deflagra um processo que já vem se arrastando durante alguns anos, e vai permitir à Novacap poder concluir a readequação do projeto básico. O trabalho de restauração do Teatro Nacional é muito abrangente e complexo. Necessita de especialistas em uma área que o corpo técnico da Novacap, o principal braço executor da obra, não possui. Então, esse recurso inicial, no valor de quase R$ 800 mil, é para contratação de consultorias especializadas. Aliás, nós já tempos o dinheiro da reforma de toda a Sala Martins Penna aprovado, que é no valor de R$ 33 milhões, uma verba do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, do Ministério da Justiça.
Numa previsão otimista, se não houver nenhum entrave burocrático, até o final do ano já estamos começando as obras no espaço – mas não vamos nos fixar apenas na sala Martins Penna. O desejo do governador e o nosso objetivo é que, em 2022, estejamos reinaugurando o Teatro Nacional, devolvendo-o à população. É uma reforma que será feita por etapas. Começamos pela Martins Penna porque é a área do teatro mais degradada; em seguida, vamos para a Sala Villa-Lobos e terminamos com a Sala Alberto Nepomucemo.
O GDF está buscando outras fontes de financiamento, mas o fato é que a restauração do Teatro Nacional é muito complexa e muito abrangente. E é bom que se diga: estamos consertando erros que deixaram se arrastar por muito tempo. Infelizmente herdamos uma sucessão de total descaso com o Teatro Nacional. É triste verificar a situação em que pegamos esse equipamento, completamente abandonado por má administração.

A Novacap sempre esteve presente em todo o GDF, mas a parceria com a Secec nesta gestão está bem intensa. É o estilo Ibaneis Rocha de governar, com integração e união?

Olhe, acho que isso reflete o nível de entrosamento na equipe do governo Ibaneis Rocha. Todos nós, gestores, nos conhecemos; os secretários estão todos comprometidos, é uma corrida de passar o bastão. Todo mundo quer o sucesso do outro. Nesse momento, estamos numa corrida, passando o bastão para a Novacap, e todos queremos chegar juntos lá na frente. Trabalhamos em sinergia, estamos tendo ao longo dos anos muitos obstáculos que superamos, sempre um ajudando o outro, não há competição entre as secretarias envolvidas. Um exemplo dessa união é que, quando foi dada a determinação para a reforma do Teatro Nacional, três pastas saíram juntas para concretização dessa tarefa: as secretarias de Cultura, de Obras e a de Governo, além da Novacap. Então, estamos de mãos dadas o tempo todo, com um alinhamento muito grande.

Quais as novidades com relação ao Fundo de Apoio à Cultura [FAC] em tempos de pandemia?

Lançamos dois FACs emergenciais: o FAC On-line, que está na fase de divulgação dos resultados, com mais de 100 selecionados e orçamento de R$ 2 milhões, e o FAC Premiação, que está na fase de recurso – e devemos estar pagando nos próximos dias. São FACs emergenciais lançados atendendo aos inúmeros apelos que recebemos da classe artística, que estava vivendo e ainda vive esse período de forte crise, com pessoas passando por necessidades básicas. Então, criamos o FAC Premiação para atender 500 agentes culturais, sendo que houve mais de 1.800 inscrições para o recurso, uma procura recordista; e o FAC On-line, que vai atender projetos pequenos em plataformas virtuais. Fora isso, já estava previsto o lançamento de um FAC regionalizado para atender a periferia. Estamos priorizando aqueles projetos culturais de agentes mais necessitados, das áreas mais urgentes. O último FAC Regional foi de R$ 8 milhões; agora fizemos um no valor de R$ 13 milhões que está em plena execução.

“O FAC não tem dono, não é uma confraria.

O FAC pertence à cultura do Distrito Federal”

 

A ideia é, mais do que nunca, fazer valer o espírito democrático do FAC?

O FAC é um instrumento importante de fomento da cultura. Acho que, pela primeira vez, esse instrumento está tendo um tratamento mais voltado para os setores mais carentes. O FAC sempre ficou muito concentrado em determinadas áreas culturais que já se beneficiam dele há muito tempo. Estou descentralizando isso. O FAC não tem dono, não é uma confraria. O FAC pertence à cultura do Distrito Federal. O FAC é de toda a cultura. Hoje somos 4 milhões de pessoas aqui dentro, com muita gente fazendo arte e com muita gente que não teve acesso ao FAC.
Já comecei, nos editais que lançamos, a garantir uma participação maior de agentes culturais que nunca tiveram acesso a esse recurso. Quero ampliar a atuação do FAC. Temos ainda neste semestre, por exemplo, um valor que não sei precisar para editais, que será direcionado nesse sentido. E mais: nós estamos trabalhando para que o próximo FAC atenda microprojetos culturais. Quero pulverizar ainda mais os recursos do FAC. Ele tem que ir para a periferia. O FAC não é para privilegiar pessoas, não é para ser usado politicamente. O FAC tem que ser democratizado. Nós queremos fazer uma gestão realmente democrática que atenda e defenda a cultura do Distrito Federal. O legado que eu quero deixar é esse. Eu escolhi um lado e estou do lado dos pequenininhos.

Há projetos pontuais da secretaria direcionados a regiões administrativas?

Sim. Temos um grande projeto para as RAs que acabamos de fazer e que será um marco na cultura do Distrito Federal – o Integra Cultura, que nasceu de uma portaria conjunta feita em parceria com a Secretaria de Governo e será instaurado em todo DF. Esse programa vai representar uma virada de página na implementação de políticas culturais locais. Está aí uma coisa de que me orgulho. O objetivo dessa iniciativa é tirar o papel de espectador, que hoje os gerentes de cultura das administrações regionais têm em relação às políticas públicas da cidade, e torná-los protagonistas da situação.
Aliás, essa integração com os agentes culturais de cada cidade do DF está prevista na nossa LOC [Lei Orgânica da Cultura], mas faltava um instrumento para colocar em prática essa ideia, e nós criamos esse instrumento. Conversei muito com o [secretário de Governo] José Humberto sobre o assunto, e ele disse que essa ação será um passo gigantesco no setor, topou na hora, sobretudo porque sua secretaria trabalha diretamente com as administrações regionais.

Alguma novidade na programação da Rádio Cultura nesta gestão?

Encontramos a Rádio Cultura também numa situação de penúria. É outro instrumento importante da secretaria, do governo, que merece uma atenção especial porque é um veículo de comunicação da política cultural do governo. Ela já acusou os reflexos da nossa administração, e queremos, até o final, colocar essa estação no topo das grandes emissoras do DF. É uma rádio que tem mais de 30 anos de história, com um corpo de funcionários que está fazendo um trabalho heroico, e precisamos resgatar sua importância para a cidade. Quero aproveitar para – como não vamos ter alguns eventos importantes este ano, em função da pandemia – direcionar recursos que iam ser usados em shows, pelo menos parte deles, para reequipar a rádio. O investimento da estação não é alto, é mais uma vontade política, e nós vamos resgatar o seu prestígio.

Em que pé estão os preparativos para a 53ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro?

Bom, o edital para o chamamento da OSC [Organização da Sociedade Civil] já foi lançado; e, uma vez escolhida a OSC, o que deve acontecer nos próximos dias, aí sim, vamos ter uma ideia do que será o festival, em quantas satélites haverá telões para apresentar em sistema drive in, enfim, esses detalhes estarão prontos, imagino, no final de agosto. Os preparativos para o Festival de Brasília estão numa animação muito grande, estou muito contente com os rumos que o evento está tomando, mesmo com a pandemia. Estou apostando todas as fichas no Festival. Vamos ter um festival maravilhoso, num formato híbrido, como já foi adiantando antes, e o desejo de fazer o festival é contagiante entre toda a equipe que está trabalhando para que ele aconteça.
Como vai acontecer no mês de dezembro, queremos, inclusive, que o festival se transforme numa espécie de virada do ano. Os recursos não são milionários, mas suficientes para fazer uma boa festa. É uma demonstração de sensibilidade com a cultura da cidade que o governador apresentou, porque na verdade foi ele quem salvou o festival. Se eu fosse homenagear uma pessoa nesse momento, eu homenagearia o governador, por não deixar que ele [o festival] fosse interrompido.
Da última vez que ele foi interrompido, nós estávamos vivendo um período conturbado da história do país, um momento político; e agora temos a pandemia, que está sendo uma sombra sobre todo mundo, sobre todos os eventos, porque muitos festivais foram cancelados, e o nosso festival poderia ser mais um desses – o que não aconteceu. Aliás, todas essas pessoas que são icônicas na história do festival, a exemplo do [cineasta] Vladimir Carvalho, estão engajadas. Venho recebendo telefonemas de pessoas que têm se apresentado como voluntárias, com muita disposição para ajudar, gente da maior representatividade, da maior importância na história do Festival de Brasília. Isso é muito animador, faz com que queiramos ainda mais que o festival saia redondinho, que ele seja um presente de fim de ano para a cultura do DF.

O senhor falou em fim de ano. Quais as chances de os grandes eventos da virada acontecerem?

Temos que ser realistas quanto a essa questão. Ainda não há uma posição do governo como um todo sobre o assunto, mas estamos vendo movimentos no país inteiro e temos que ter responsabilidade. Ou seja, cultura está sempre associada a eventos, momentos de alegria; queremos promover eventos e momentos de alegria, mas com responsabilidade. Não queremos promover aglomeração. Sem querer ser pessimista, tudo indica que teremos pela frente um percurso muito grande exigindo cautela da população. Se a decisão final não for comemorar o réveillon nas ruas, vamos encarar com toda a naturalidade. Temos que ter os pés no chão. Como não teve festa nos 60 anos de Brasília, não vamos forçar a barra com relação ao fim de ano, de jeito nenhum. Temos que pensar racionalmente como algumas grandes cidades que estão se antecipando, inclusive, com relação ao carnaval. O que estou fazendo é o seguinte: estamos na mesma toada. Estamos observando, vendo o desenrolar das coisas, da pandemia, vendo com preocupação que, provavelmente, não teremos um quadro que nos dê segurança, que estará tudo bem até lá. Vamos ser realistas; vamos trabalhar, nesse momento, para salvar vidas. A prioridade é essa.

“Queremos promover eventos e momentos de alegria, mas com responsabilidade. Não queremos promover aglomeração”

O Brasília Junina 2020 vai acontecer?

Tenho conversado bastante com todos sobre isso. Quadrilha é uma festa de contato. É como uma escola de samba. Uma festa junina, a gente tem que ponderar. É como aconteceu, por exemplo, com a Via Sacra de Planaltina. Não vamos estimular nenhum modelo de festividade, de evento que promova contato. De novo: vamos ser realistas, vamos trabalhar com os pés no chão. Não dá para a gente imaginar quadrilha, por enquanto. Fonte:Lúcio Flávio, Da Agência Brasília