Uma histĂłria de amor e respeito do ex-morador de rua que se tornou agente socialÂ
A história do educador social Rogério Soares começou a ser escrita na rua, e é nela que ele escreve o seu futuro até hoje. Aliás, não só o dele, mas o de muitos homens e mulheres que têm o Setor Comercial Sul como lar. Depois de 25 anos nas ruas, ele se permitiu mudar, passou um ano e oito meses em uma casa de recuperação e, quando saiu, voltou para lá, mas desta vez como instrumento de amor e respeito ao próximo.
Hoje, Barba, como Ă© conhecido em todo lugar, administra o Projeto Bike Geração de Renda, que ajuda pessoas em situação de vulnerabilidade social a voltar para o mercado de trabalho e recuperar a dignidade de pagar suas contas. “Este projeto Ă© para aqueles que já conseguiram se livrar do vĂcio das drogas e do álcool e voltaram para suas famĂlias ou para suas casas. AtravĂ©s de outros projetos, nĂłs ajudamos os cidadĂŁos a livrarem-se da drogadição, e Ă© muito bom poder falar que muitos já conseguiram. O grande problema Ă© que, sem renda e sem oportunidade, vários deles voltam para as ruas”, conta ao explicar o projeto.
O Bike Geração de Renda vive de doações e consiste em entregar uma bicicleta e um celular a essas pessoas para que possam trabalhar como entregadores de aplicativos de comida. “Neste trabalho, eles conseguem aquilo que acreditavam que nunca mais encontrariam: confiança. Eles confiam em si e recebem a confiança de alguém que os chama pelo aplicativo, sem saber das suas histórias, sem as armas do preconceito”, comenta.
Ele sabe bem o que Ă© precisar da ajuda dos outros para escrever a prĂłpria histĂłria, já que atĂ© o seu prĂłprio nome, seu sobrenome e sua data de nascimento foram definidos por um juiz. “Eu nĂŁo sei nada do meu passado antes do orfanato. O que me contaram Ă© que uma pessoa me encontrou ainda bebĂŞ na rua, em SĂŁo Paulo, e me entregou a um estabelecimento social. Passei a infância e a adolescĂŞncia em abrigos, bons abrigos, e tive acesso Ă educação e ao trabalho. Mas eu nĂŁo tenho famĂlia alguma – nem mĂŁe, nem pai, nem avĂłs. Minha mĂŁe Ă© a Dona Elvira Batista, que me deu o amor que eu nunca tive e me levou para a minha Ăşltima internação, na Cristolândia, onde eu morri para a rua e nasci para a sociedade”, relembra.
Quando o seu passado Ă© uma página em branco, o futuro parece mais difĂcil de ser escrito. Mas Barba encontrou uma forma de juntar a sua histĂłria com a daqueles que passam pela mesma situação que ele passou. “SĂŁo muitos projetos bem-intencionados mas sem conhecimento. Dar comida e internar a pessoa Ă© bom, mas nĂŁo Ă© suficiente. As pessoas precisam de atenção”, destaca ao citar as internações pelas quais passou ao ser internado 14 vezes durante o tempo que morava nas ruas.
É por isso que ele vai alĂ©m e encabeça outros projetos que levam direitos mĂnimos aos moradores de rua: banho, roupas limpas, lazer, alimentação e aquilo que ele considera o mais importante – amor e respeito. “Quando alguĂ©m me diz que quer ser voluntário ou que quer construir uma polĂtica pĂşblica para a população de rua, eu sempre digo que o mais importante Ă© saber ouvir. Nenhuma ação ou polĂtica vai funcionar se os prĂłprios interessados nĂŁo forem ouvidos. Eu nĂŁo posso fazer o que eu quero ou que eu acho que precisa ser feito. Preciso fazer o que aquele ser humano necessita e, muitas vezes, nĂŁo Ă© nada parecido com o que as autoridades e os voluntários pensam”, conclui. Por Duane dos Reis