Com cobertura vacinal abaixo da meta, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal prorrogou importantes campanhas de vacinação para alcançar o maior número possível de crianças e adultos. Atualmente, o calendário tem 20 medicamentos imunobiológicos disponíveis na rede pública para acesso universal em todas as faixas etárias, que podem ser obtidos em qualquer uma das 132 salas de vacinação distribuídas pelas unidades básicas de saúde.
Em entrevista à Agência Brasília, a enfermeira Fernanda Ledes, que atua na Área Técnica de Imunização da Secretaria de Saúde, ressalta a importância de manter a vacinação em dia para evitar que doenças eliminadas voltem a assombrar a população. De acordo com ela, as vacinas aplicadas no Brasil costumam ter eficácia acima dos 90%. “A gente precisa manter afastadas as outras doenças para as quais já temos vacina, para não ser mais um problema junto com a Covid-19”, adverte.
Confira a íntegra da entrevista.
A Secretaria de Saúde prorrogou as campanhas de vacinação de sarampo e poliomielite. Por que a medida foi necessária?
O Ministério da Saúde deixou a critério de cada estado a prorrogação ou não das campanhas. O DF optou por fazer a prorrogação das estratégias em decorrência da cobertura vacinal, que está bem abaixo da meta estipulada. Na de poliomielite temos meta de 95%, e ainda estamos em 40%. Na de sarampo para adultos [destinada a pessoas entre 20 e 49 anos], em vigência desde março, alcançamos 7,7% de cobertura até agora. É muito abaixo do que esperamos para o público. Pela adesão baixa, vamos manter até o dia 27 de novembro.
O índice de vacinação de sarampo para adultos é muito baixo para sete meses de campanha. Geralmente é comum a preocupação com o calendário de vacinas na infância. Podemos dizer que é mais difícil a vacina ser aceita pela população conforme a idade avança, por parte de adolescentes, adultos e idosos?
Os públicos adolescente e adulto são mais difíceis de captar. Primeiro porque existe a cultura de que vacina é só de criança. Muitas têm calendário básico completo, mas diminui aos quatro anos, quando há reforços. Passa um tempo sem vacinar e os pais acabam esquecendo, atrasando. Há também toda a dificuldade de lidar com adolescente, então os responsáveis acabam postergando ou esquecendo mesmo. O adulto sequer lembra se tem cartão, não acha que tem vacina importante, a não ser que tenha alguma doença em circulação ou vai viajar. Ele dificilmente adquire hábitos preventivos. A vacinação não é só para quando precisa, mas justamente para não precisar.
“É preciso estar sempre com a situação vacinal atualizada, porque, em situação de reintrodução de vírus, não vai afetar a população de forma geral” Fernanda Ledes, enfermeira da Secretaria de Saúde
Qual é a importância de manter o calendário de vacinação em dia do nascimento à melhor idade?
A importância é que não tenha a circulação dessas doenças imunopreveníveis. Por exemplo, o Brasil tinha certificado de eliminação do sarampo recebido em 2016, mas o perdemos em 2018 – porque, com as baixas coberturas vacinais e a reintrodução do vírus no país, as pessoas voltaram a adoecer. Hoje temos um surto de sarampo no país. No DF, dos cinco casos confirmados em 2020, quatro estão na faixa etária de 20 a 49 anos, alvo da campanha de vacinação. É preciso estar sempre com a situação vacinal atualizada, porque, em situação de reintrodução de vírus, não vai afetar a população de forma geral. Outro objetivo é que, ao manter altas coberturas, você protege parte da população que não recebe determinadas vacinas pela idade, condição de saúde ou que não é respondedora à vacina.
A senhora citou o caso do sarampo, mas há risco de doenças erradicadas que podem retornar por falta de vacinação?
A gente usa o termo “erradicado” apenas para doenças que não circulam mais no mundo. A única é a varíola. As outras são consideradas eliminadas, como era o caso do sarampo. Outra eliminada no Brasil é a poliomielite, que é a paralisia infantil. Ela está sendo eliminada aos poucos dos países do mundo. Recentemente foi declarada a eliminação no continente africano, que tinha muitos casos, e hoje a doença circula apenas no Paquistão e no Afeganistão. Se ela circula em algum lugar, há risco iminente de retornar a locais com cobertura baixa, o que é nosso caso. Esse ano não alcançamos nem 70% de cobertura para todas as vacinas do calendário básico infantil. Isso representa um risco iminente de reintrodução da paralisia infantil no Brasil. Em todo o mundo temos tentado, com campanhas, erradicar a doença.
Qual é o índice de eficácia das vacinas distribuídas pelo Sistema Único de Saúde e tidas como obrigatórias?
A maioria das vacinas tem eficácia muito alta, acima de 90% em pessoas imunocompetentes – isto é, que não tenha problema de saúde. Mas o índice varia de acordo com cada uma. Por exemplo, a tríplice viral, que é para sarampo, caxumba e rubéola, fica entre 95% e 99% de eficácia. A de influenza também fica em 95%.
Quais são as vacinas fundamentais, que ninguém pode deixar de tomar?
Todas as vacinas são obrigatórias. Todas são fundamentais e importantes na completude do esquema vacinal. Há vacinas que é uma dose só na vida. Outras têm várias doses, com reforços. A vacina contra difteria e tétano, que chamamos comumente de antitetânica, é uma que todo mundo tem que tomar a cada dez anos. Na infância há o esquema completo e, ao longo dos anos, tem o reforço. É importante que a vacinação seja feita da maneira correta, com os intervalos preconizados e sempre de olho naquelas que é preciso de reforço.
Quais doenças são combatidas com vacina?
Temos no calendário nacional de vacinação 20 imunobiológicos. Desses, alguns protegem contra várias doenças. É o caso da pentavalente, que protege contra cinco doenças: difteria, tétano, coqueluche, meningite por Haemophilus tipo B – que leva a otites e pneumonias graves – e poliomielite. Também a tríplice viral, contra rubéola, sarampo e caxumba. A antipneumocócica atua contra vários tipos de pneumococos, que também levam a otites e pneumonias que complicam principalmente em crianças e idosos. Também temos vacina contra hepatites, varicela, gripes, febre amarela, meningites, rotavírus.
“A vacina não causa nenhuma doença. Ela pode provocar eventos adversos” Fernanda Ledes, enfermeira da Secretaria de Saúde
Todas as 20 são fornecidas pela rede pública de saúde à população?
Todas as vacinas do calendário nacional de vacinação estão disponíveis em todas as salas de vacinação do Brasil, para todos os usuários. No DF, são 132. A pessoa que vai precisar se vacinar será de acordo com a vacina indicada para a faixa etária e a situação vacinal encontrada. O ideal é que o paciente sempre leve seu cartão de vacinação, que é um documento imprescindível que precisa da guarda correta. Ele representa muita coisa para cada um. Se perdeu ou não tem como localizar, é possível fazer um novo cartão. Se tem dois, três, vários cartões da vida adulta, é importante levar todos.
Onde a população do DF deve buscar pela vacinação? No posto perto de casa? Qual é o fluxo?
Não existe obrigatoriedade de se vacinar em um local específico. A pessoa pode procurar qualquer uma das salas de vacina, conforme for conveniente para o momento.
Vacinas podem provocar outras doenças ou desencadear reações autoimunes? Já se falou até sobre autismo…
O autismo é um mito criado por um artigo publicado, tirado de circulação e desmentido por várias publicações que refutam essa informação. Não existe essa possibilidade. A vacina não causa nenhuma doença. Ela pode provocar eventos adversos. Alguns são esperados, como dor local e febre. Outros são considerados mais graves e devem ser notificados no sistema próprio do Ministério da Saúde. São raros e acompanhados até a resolução.
Para a população idosa, há muita campanha pela vacina contra a gripe. Quais são as outras vacinas indicadas para esse público?
O idoso tem a vacina influenza anual, mas precisa estar em dia com outras vacinas. Tem que tomar a dupla adulto, para difteria e tétano, a cada dez anos; tem que ter esquema de três doses de hepatite B, que é feita uma vez na vida, mas pode ser iniciada mesmo sendo idoso; alguns acamados ou institucionalizados têm direito à pneumocócica 23-valente, que protege contra pneumonias e infecções.
Quais indicadores são acompanhados para identificar possíveis problemas na cobertura vacinal? Quando isso se torna estado de atenção?
A gente calcula cobertura vacinal nas coberturas do calendário básico infantil, com crianças abaixo de dois anos. Estamos em estado de alerta no Brasil, de modo geral, porque a maioria dos estados não alcançou nem 70% de cobertura para essas vacinas. Significa que há muitas pessoas expostas e vulneráveis às doenças imunopreveníveis. Isso é estado de alerta.
A senhora acredita que a pandemia pode ter influenciado nesses índices?
A gente não pode atribuir tudo apenas à pandemia, porque antes dela as coberturas vacinais estavam em baixa. A pandemia pode dificultar ainda mais esse processo, porque as pessoas passaram um tempo isoladas e não procuraram salas de vacina. É importante ressaltar que todas as salas estão orientadas a trabalhar dentro dos protocolos de prevenção contra o coronavírus. A gente precisa manter afastadas as outras doenças para as quais já temos vacina, para não ser mais um problema junto com a Covid-19. Mas são várias causas que levam às baixas coberturas, como as notícias falsas propagandas e a própria não circulação das doenças, o que dá a impressão de que elas não existem mais. As doenças não sumiram, não desapareceram. Elas só não conseguem circular porque as pessoas estão protegidas. A falsa segurança leva a pessoa a não se preocupar e acabar não se vacinando. Fonte: Jéssica Antunes, Da Agência Brasília