Ele pesquisou durante anos para fazer a seleĆ§Ć£o genĆ©tica de seu rebanho, no Lago Oeste
āLembro que fiquei uns cinco anos sem poder comer nada com leiteāDanilo Bello, filho caƧula do produtor rural MaurĆcio Bittencourt
Um problema de alergia do filho caƧula detectado 15 anos atrĆ”s fez com que o produtor de gado leiteiro MaurĆcio Bittencourt, atendido pela Empresa de AssistĆŖncia TĆ©cnica e ExtensĆ£o Rural do DF (Emater) no Lago Oeste, adotasse a seleĆ§Ć£o genĆ©tica de seu rebanho para que os animais nĆ£o desenvolvessem a proteĆna mais alergĆŖnica do leite. āTer um filho com alergia Ć proteĆna do leite em uma famĆlia de criadores de gado de mais de 40 anos de tradiĆ§Ć£o chegou a me parecer uma maldiĆ§Ć£oā, conta MaurĆcio.
O problema levou o produtor a pesquisar o assunto. Com base nas descobertas feitas, ele se especializou na produĆ§Ć£o do leite A2, livre da proteĆna. āLembro que fiquei uns cinco anos sem poder comer nada com leiteā, conta Daniel Bello, o caƧula de Bittencourt. āCom o tempo, meu pai ia me dando diferentes tipos de leite para ver se eu ainda passava malā. Eles experimentaram leite de soja, leite de cabra e leite de vaca. āMeu pai nĆ£o me falava exatamente qual tipo de leite estava me dando, mas sempre pesquisava coisas para eu nĆ£o viver totalmente sem leiteā, lembra o jovem.
Foi assim que Bittencourt percebeu que o leite A2A2 nĆ£o fazia mal ao filho. Como resultado dessa descoberta, o produtor passou a fazer a seleĆ§Ć£o genĆ©tica do seu rebanho e dar preferĆŖncia Ć s matrizes que possuem o gene relativo Ć Ī²-caseĆna A2, como Ć© conhecida cientificamente essa proteĆna.
O que Ć© o leite A2
āA composiĆ§Ć£o nutricional Ć© igual entre o leite A2 e o leite convencional, ou seja, ambos sĆ£o fontes ricas em proteĆna e cĆ”lcio. A diferenƧa estĆ” apenas no tipo de proteĆnaāĀ Danielle Amaral, nutricionista da Emater
O leite de vaca contĆ©m proteĆna, gordura, lactose, minerais e vitaminas. āO leite Ć© particularmente rico em cĆ”lcio, sendo facilmente absorvido pelo nosso organismo, alĆ©m de fornecer tambĆ©m minerais como potĆ”ssio, zinco, fĆ³sforo e magnĆ©sioā, explica a nutricionista Danielle Amaral, da Emater. āEm relaĆ§Ć£o Ć s vitaminas, esse alimento possui tanto as lipossolĆŗveis, como as vitaminas A, D e E, quanto as hidrossolĆŗveis, com destaque para as do complexo Bā.
De forma simplificada, A1 ou A2 referem-se ao tipo da proteĆna Ī²-caseĆna encontrada no leite. A Ī²-caseĆna compƵe, aproximadamente, 30% da proteĆna total do leite de vaca, e os tipos mais comuns encontrados sĆ£o a Ī²-caseĆna A1 e a Ī²-caseĆna A2.
Todas as fĆŖmeas de mamĆferos, incluindo a mulher, produzem apenas a Ī²-caseĆna A2; mas, por causa de uma mutaĆ§Ć£o genĆ©tica que ocorreu hĆ” aproximadamente 10 mil anos, algumas vacas passaram a produzir a Ī²-caseĆna A1. Por esse motivo, a Ī²-caseĆna A2 Ć© chamada de caseĆna natural.Ā āA composiĆ§Ć£o nutricional Ć© igual entre o leite A2 e o leite convencional, ou seja, ambos sĆ£o fontes ricas em proteĆna e cĆ”lcioā, informa Danielle Amaral. āA diferenƧa estĆ” apenas no tipo de proteĆna, a Ī²-caseĆna.ā
Testes
O teste de genotipagem, feito em uma amostra de material biolĆ³gico, Ć© a forma mais eficiente de determinar o genĆ³tipo para Ī²-caseĆna do animal. O resultado desse teste pode ser um dos trĆŖs possĆveis genĆ³tipos: A1A1, A1A2 ou A2A2. Apenas animais A2A2 produzem exclusivamente Ī²-caseĆna A2, e Ć© o leite de vacas desse tipo que Ć© chamado de leite A2.
āPara a produĆ§Ć£o desse tipo de leite, o produtor necessita ter uma linha especĆfica de leite A2, um controle zootĆ©cnico individual de cada vaca, controle de processos para diferenciaĆ§Ć£o do leite A1 do A2 e um procedimento robusto de rastreabilidadeā, explica a veterinĆ”ria e extensionista rural da Emater Camila Braz Ribeiral.
Segundo ela, a rastreabilidade comeƧa com a coleta de material para teste de genotipagem e avanƧa para processos de boas prĆ”ticas agropecuĆ”rias, para garantir a boa qualidade do leite. Segue com um efetivo esquema de identificaĆ§Ć£o e seleĆ§Ć£o dos animais, um bom sistema de ordenha e armazenamento do leite e vai atĆ© o envase e rotulaĆ§Ć£o do produto final.
āProduzir leite A2A2 Ć© uma oportunidade de agregar valor ao produto, de aumento de consumo pela sociedade e valorizaĆ§Ć£o da cadeia leiteiraā, afirma Camila. āPorĆ©m, ainda sĆ£o necessĆ”rios maiores trabalhos de pesquisas cientĆficas e ĆŖnfase na divulgaĆ§Ć£o desse diferenciado produto na gĆ“ndola.ā
QuestĆ£o de saĆŗde
MaurĆcio Bittencourt diz que nĆ£o se trata apenas de ganhar dinheiro com o leite ou o queijo A2: āPara mim Ć© uma questĆ£o de saĆŗde. NĆ£o quero que ninguĆ©m passe pelo que eu passei com o meu filho. Hoje, ele Ć© um jovem completamente saudĆ”vel e que come de tudoā.
Atualmente em fase de regularizaĆ§Ć£o de sua queijaria, MaurĆcio jĆ” tem muitos pedidos de amigos para fornecer leite e queijos. āHĆ” vĆ”rios depoimentos de pessoas que nĆ£o podiam consumir queijo e provaram o meu e nĆ£o sentiram mal-estar nenhumā, relata.
Ć o caso da moradora do Lago Oeste Jerusa AtaĆde Nalini. āNossa, quando comi logo o queijo frescal e nĆ£o senti nada, fiquei encantadaā, diz. āEu parei de tomar leite hĆ” mais de dez anos porque me dava diarreia, Ć¢nsia de vĆ“mito e muito incĆ“modo, mas nĆ£o sei dizer se sou alĆ©rgica ou intolerante porque nunca fui atrĆ”sā. Para Jerusa, o queijo frescal era o que mais causava mal-estar, mas agora ela Ć© cliente assĆdua de Bittencourt.
*Com informaƧƵes da Emater