Cidadania

Duas mil pesquisas realizadas em sistema ilegal de monitoramento de veĆ­culos

Duas mil pesquisas realizadas em sistema ilegal de monitoramento de veĆ­culos

Grupo criminoso foi alvo de operaĆ§Ć£o policial por instalar, de forma clandestina, cĆ¢meras em vĆ”rios pontos da cidade. Os equipamentos capturavam imagens das placas e do fluxo de veĆ­culos sem o conhecimento dos motoristas

A PolĆ­cia Civil do Distrito Federal (PCDF) desmantelou um esquema de monitoramento ilegal que registrava imagens do fluxo de veĆ­culos na capital, com a captura das placas, violando a intimidade e privacidade da populaĆ§Ć£o sem o conhecimento ou o consentimento das pessoas. A operaĆ§Ć£o Olho de Horus foi desencadeada pelos investigadores da 9ĀŖ Delegacia de PolĆ­cia (Lago Norte), que cumpriram, ontem, 10 mandados de busca.

A polĆ­cia acredita que foram feitas ao menos duas mil pesquisas no sistema ilegal. As imagens obtidas pelo esquema eram posteriormente anunciadas em um site e um perfil de Instagram. Para ter acesso ao conteĆŗdo era cobrado o valor de R$ 150 a consulta. Os anĆŗncios dizem que o serviƧo seria para colaborar na recuperaĆ§Ć£o de veĆ­culos subtraĆ­dos, mas o que foi constatado atĆ© o momento foi diferente.

Ontem, os agentes apreenderam todas as cĆ¢meras instaladas para vigiar os veĆ­culos. Segundo o delegado Erick Sallum, com a apreensĆ£o dos aparelhos, a PCDF encerra o “Big Brother” rodoviĆ”rio ilegalmente implantado na capital federal e restabelece o direito ao anonimato da populaĆ§Ć£o. “Agora, vamos comeƧar as tratativas com essa empresa para que ela nos forneƧa esses dados. Queremos uma planilha de Excel, com as pesquisas feitas, as datas e quem comprou essas pesquisas e, aĆ­ sim, se a gente identificar nessas pesquisas, inclusive autoridades policiais e ver quem comprou essa pesquisa para tentar identificar o porquĆŖ. Pessoas que fizeram pesquisas maliciosas podem ser responsabilizadas”, afirmou.

Funcionamento
As cĆ¢meras se assemelhavam a um equipamento comum e conseguiam mapear e tirar fotos da rotina das pessoas, pois tinham a capacidade de leitores de caracteres (LPR) e programaĆ§Ć£o de inteligĆŖncia artificial, permitindo o reconhecimento de placas dos veĆ­culos.

Durante a apuraĆ§Ć£o, investigadores da 9ĀŖ DP compraram um dos acessos e conseguiram verificar a rotina de passagens do carro de um dos delegados da unidade policial. A equipe efetuou um cadastro em nome de Papai Noel e, depois do pagamento via PIX, recebeu por e-mail um relatĆ³rio contendo as imagens de oito passagens do carro em vias do DF.

A facilidade e absoluto descontrole na venda dessas informaƧƵes por meio desses sites permitem que qualquer um, inclusive os mal-intencionados, possam acessar esses dados e pesquisar as placas e trajetos dos veƭculos de qualquer pessoa.

Segundo as investigaƧƵes, os donos das cĆ¢meras nĆ£o sĆ£o moradores do DF e nĆ£o tĆŖm empresa cadastrada no DF. “Importante destacar que a PolĆ­cia JudiciĆ”ria entende que sistemas de videomonitoramento sĆ£o importantes ferramentas coadjuvantes na seguranƧa pĆŗblica. Contudo, desde que autorizadas e supervisionadas pelo Poder PĆŗblico, conforme preconizado por lei. A vida privada das pessoas nĆ£o pode ser mercantilizada sem justa-causa na internet sem a ciĆŖncia ou o consentimento da populaĆ§Ć£o”, destacou o delegado.

A atividade viola a lei nĀŗ 3.914/2006 DF e compromete a vida privada das pessoas que passam a ter suas rotinas monitoradas sem seu consentimento e vendidas a qualquer um que pague pelo relatĆ³rio. AlĆ©m disso, a Lei Geral de ProteĆ§Ć£o de Dados (LGPD), publicada em 2018, tem como fundamentos o respeito Ć  privacidade e Ć  inviolabilidade da intimidade. Esse tipo de monitoramento indiscriminado por empresas privadas sem supervisĆ£o do Poder PĆŗblico Ć© ilegal, pois podem ser deturpadas e instrumentalizadas para outras finalidades.

A implantaĆ§Ć£o das cĆ¢meras de forma descontrolada, alĆ©m de gerar inseguranƧa Ć s autoridades pĆŗblicas que podem ter suas rotinas devassadas, representam tambĆ©m uma violaĆ§Ć£o da autodeterminaĆ§Ć£o informativa, pois a populaĆ§Ć£o sequer sabe da existĆŖncia delas.

Os investigados responderĆ£o por exercĆ­cio ilegal de atividade, divulgaĆ§Ć£o de segredo e falsidade ideolĆ³gica. “A criminalidade enxergou que nĆ£o vale mais a pena ficar na rua trocando tiro com polĆ­cia ou dando facada em ninguĆ©m para roubar um celular. O crime cibernĆ©tico, o estelionato, a fraude eletrĆ“nica sĆ³ sĆ£o eficazes quando vocĆŖ tem os dados da pessoa. EntĆ£o se vocĆŖ nĆ£o tem os dados pessoais de alguĆ©m, o golpe fica ineficaz. Esse Ć© o problema. E precisamos combater”, finalizou o delegado.